Eu havia tirado seu sapato do pé esquerdo e arranhado a sola do pé com uma chave — um teste de reflexo aparentemente frívolo, porém essencial — e em seguida, pedindo licença para parafusar o oftalmoscópio, deixei-o sozinho para que ele calçasse o sapato. Para minha surpresa, um minuto depois ele não o calçara.
"Posso ajudar?", perguntei.
"A fazer o quê? Ajudar quem?"
"Ajudá-lo a calçar o sapato."
"É mesmo, eu tinha esquecido o sapato", disse ele, acrescentando sotto voce "O sapato? O sapato?". Ele parecia desconcertado.
"Seu sapato", repeti. "Talvez queira calçá-lo".
Ele continuou a olhar para baixo, embora não para o sapato, com uma concentração intensa mas mal dirigida. Por fim seu olhar parou sobre seu pé.
"Esse é meu sapato, não?"
Eu teria ouvido mal? Ele teria visto mal?
"Meus olhos", ele explicou, levando a mão ao pé. "Este é meu sapato, não é?"
"Não, não é. Esse é seu pé. O sapato está ali".
"Ah! pensei que aquele fosse meu pé".
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Em: Sacks, O. W. (1997). O homem que confundiu sua mulher com um chapéu e outras histórias clínicas. São Paulo: Companhia das Letras.
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Para ouvir:
2 comentários:
E viva a plasticidade cerebral!!!!
As coisas são iguais!
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